Soldado Milhões (2018) - Gonçalo Galvão Teles, Jorge Paixão da Costa

«Tu és Milhais. Mas vales Milhões.»

Passa hoje mesmo um século sobre a negra data de 29 de Abril de 1918. Essa data marca o fim da Batalha de La Lys, que ao longo desse mês decorreu na Flandres Francesa. Não é só essa data que é negra para a nossa história enquanto nacionalidade, mas sim toda a envolvente que levou milhares de portugueses para as trincheiras a fim de travar uma guerra que lhes diziam ser patriótica. Matar alemães. Pela pátria. Resultado: milhares de mortos, milhares de feridos, milhares de prisioneiros de guerra.

Nunca vivi nenhuma guerra e sei apenas dos relatos. Nessas situações a humanidade é pouca, quase nenhuma. Disso tenho a certeza. E foi no meio de tanta mortandade que um valente e corajoso Português se fez notar, ganhando a imortalidade e uma data de condecorações. Medalhas por ceifar a vida de imensos homens, em prol do salvamento de outros tantos. Haverá heróis na guerra? Penso que não.

Aníbal Augusto Milhais, natural de Valongo de Milhais (sim, a terra deve o nome ao seu 'herói'), em Murça,  Trás-os-Montes. É este o Homem que ficou para a posterioridade no imaginário de muitos os portugueses que conhecem a sua história. Essa história, que parece heróica demais para ser a realidade, foi de facto realidade. Munido apenas da sua 'Luisinha', alcunha posta pelos portugueses à metralhadora Lewis, Aníbal Milhais agigantou-se perante as sucessivas ofensivas germânicas, largando fogo constante e de vários ângulos sobre esses soldados, impedindo-os de avançar. Multiplicou-se de tal modo que os inimigos julgavam ter um regimento a combatê-los. Foi deste modo que, pondo em risco a sua vida, ganhou o tempo necessário para que as forças portuguesas e escocesas conseguissem retirar-se em segurança. Dias a fio no jogo do gato e do rato com as tropas alemãs, e apenas com amêndoas no bolso para contrariar a fome, Milhais consegue eventualmente reencontrar-se com o seu batalhão. Não sem antes conseguir salvar um médico escocês do afogamento certo, médico este que passaria a palavra aos seus superiores acerca dos feitos deste valente transmontano. Reencontrado com os camaradas, por essa altura já estes tinham conhecimento dos feitos do colega. "Tu és Milhais. Mas vales Milhões". Foi esta a frase proferida pelo seu comandante, aquando do seu aparecimento qual Dom Sebastião. Assim se eternizou o nome do Soldado Milhões. 

É com base na história que sinteticamente expus em cima, que Gonçalo Galvão Teles e Jorge Paixão da Costa construíram o seu filme "Soldado Milhões". É verdade que os orçamentos para filmes em Portugal ficam curtos. Mas se pouco tiveram, muito conseguiram na verdade. E este é um filme recheado de bons actores, uns com provas dadas, outros em afirmação, mas no geral com actuações convincentes. Efeitos especiais igualmente bons conferem o realismo que é sempre necessário num filme destes, mas um filme de guerra não vive só de tiros, explosões, gritos de aflição e sangue a escorrer. 

Na minha opinião, "Soldado Milhões" ganha pelo modo como foi construído. Neste filme existem duas narrativas paralelas. Se de um dos lados da moeda temos a guerra e as suas atrocidades, no outro temos o pós guerra, muitos anos volvidos, em Valongo de Milhais. São as analogias e metáforas que para mim fazem este filme. Os terrores da guerra teimam em persistir no ser de quem a viveu de perto, e não se esquecem. E esses fantasmas tomam a forma animal do lobo, ameaça constante ao sustento das gentes serranas. De novo, são várias as analogias que se estabelecem entre os dois tempos, mas para saberem mais terão de assistir ao filme. Somos ainda brindados pela brilhante fotografia desta película. Largos planos da beleza natural Transmontana, serrana e inóspita, mas que são o cartão de visita do Nosso norte. 

No geral, a balança pende para o lado dos pontos positivos. Terás de ir ao cinema confirmar por ti e, bem vistas as coisas, devemos apoiar o que é feito por portugueses a pensar nos portugueses. Se não o quiseres fazer, podes esperar até ao fim do ano, porque a RTP irá transmitir o filme dividido em três episódios, algo a que já nos tem habituado.

Hollywood pode ter milhões. Nós por cá, temos o Milhões.

rafael silva

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