Parasite (2019 - título original: Gisaengchung), um filme de Joon-ho Bong


Prezado leitor do Notas Longas,


Esta nota não-longa é primeiramente para si.

Deve ter pensado - com a legitimidade que lhe reconheço - que as suas mais estimadas leituras haviam cessado a sua existência, como consequência do abrupto silêncio e ausência de palavras que se veio a verificar no ecrã do seu dispositivo. Por essa falsa ilusão por mim criada, deste modo me retrato. 
mea culpa. 
Servirá portanto a presente Nota Longa para marcar o regresso do blogue à tão aguardada assiduidade, tanto da parte do seu autor como no que toca aos seus leitores, que imagino que não terão conseguido pregar olho durante esta longa insónia.
Boas leituras.
r.s.
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De uma perspectiva mainstream, 2019 está a ser um ano "assim-assim" no que diz respeito a filmes que eu tenha perdido tempo a ver. Acontece que não vi muitos, admito. Em Portugal assistimos a um "Variações" a bater recordes (uma grande vénia dirigida a Sérgio Praia -- e desde já deixo o convite a quem sobre ele queira opinar numa nota longa -- o convite na verdade estende-se a qualquer filme!).  
Já um pouco por todo o globo tivemos o fenómeno Tarantino com Once Upon A Time In Hollywood, marcado por um enormíssimo hype alavancado nos ombros de um cast milionário e de um orçamento estupidamente grande, o que só por si já daria que falar. O filme, tal como o vi com os meus olhos, não está mau. Mas não tenho dúvidas que é longo de mais para o que se propôs a ser. À boa moda tarantinesca, temos direito a uns quantos easter eggs, a uma soundtrack escolhida a dedo pelo próprio, diálogos e filmagens dignos de serem ensinados nas escolas de cinemas, óptimas representações dos actores (DiCaprio é bom, ninguém nega já .. mas o Brad Pitt está demais), etc etc etc.... Mas eu fiz referência à boa moda tarantinesca se bem repararam, e se há algo que todos gostamos nos filmes deste realizador, uns mais secretamente... outros de forma mais declarada - com direito até a gargalhadas de satisfação - é aquilo a que apenas temos direito na meia hora final do filme. Quem já assistiu ao filme que o diga.. há de o confirmar. Que ninguém ouse negar o maroto sorriso que se esboçou nos seus lábios assim que se deu conta que aquilo estava finalmente a tornar-se num filme written and directed by Quentin Tarantino. No fim de contas é um filme que tem se ver visto, porque é de quem é .. um pouco à semelhança do que acontece com o álbum Fear Inoculum dos Tool. O caso é em tudo idêntico. Mas esta é a minha opinião e -- ups -- já demasiado discorri sobre algo que não é sequer o propósito desta Nota Longa. Mas se aguentou a leitura até aqui, sugiro que saltemos juntos e imediatamente para o que nos trouxe aqui.



Antes de quaisquer opiniões e observações sobre a película que o poster acima indicia, tenho que dar nota ao estimado leitor da minha transversal ignorância no que toca à produção cinematográfica oriundo do continente asiático. Mais ainda, filmes sul-coreanos que me ressoem na memória apenas um: Oldboy (2003, Oldeuboi no seu título original), uma das obras primas do início deste século, do realizador Chan-wook Park. Confesso o meu fascínio por esse filme. E se o leitor tiver, porventura, a sorte de ainda não o ter visto... bem, apenas lhe digo que o invejo por isso. Mas atenção: prepare-se para tão cedo não conseguir desligar-se do que vai ver, ouvir e sentir. É um desses filmes que de tão impactante que é nos lembraremos para sempre do dia em que o vimos. Vai decerto lembrar-se da sua reacção quando chegar aos créditos finais. São duas horas que o irão marcar, não tenho dúvidas.


"Lá está este gajo de novo a divagar!", pensará o leitor. Bem, não está completamente errado. Contudo, servirá este pequeno aparte introdutório como chamariz para o que aí vem. Só mais um: não tenho dúvidas que este filme de Joon-ho Bong que hoje vos apresento e o Joker, de Todd Phillips serão os filmes do ano. Zero dúvidas. (Ainda não vi o Joker, como é óbvio, mas vá lá... não tem como enganar, pois não?).

Adiante.

"Cinematografia e argumentos exímios", é a mais simples, pouco original e imediatista descrição que me vem às pontas dos dedos. Mas será esta a que melhor se ajusta à complexa simplicidade que podemos encontrar em "Parasite"? Acrescentemos que estamos perante o vencedor incontestável da Palma de Ouro em Cannes. Melhor? Este facto apenas já terá de ser motivo mais do que válido para que o leitor pegue em si mesmo e se dirija de imediato ao cinema mais próximo, que tristemente e com muita pena minha há de se situar numa grande superfície comercial. Não tenha pressa, no entanto. Não precisa de ter o impulso de comprar o bilhete com antecipação através do seu smartphone, pois quase que lhe posso garantir que não haverá falta de lugares. De novo, com muita pena minha. Aproveito, desde já, para pedir um forte aplauso em pensamento para as outras seis almas desconhecidas que comigo puderam partilharam este filme na sua data de estreia, numa grande superfície comercial perto de mim. Ao menos pude esticar as pernas à vontade.



Adiante...


clip do trailer


'Parasite' é bom. É mesmo muito bom e conseguiu encher-me as medidas, algo que o do Tarantino não conseguiu fazer pelos mesmos sete euros, a título de exemplo.
Pessoalmente, não gosto muito de assistir a trailers de filmes que pretendo ver, pelo que opto sempre por uma rápida leitura de uma sinopse de três linhas, quase sempre a da IMDB. Se o poster me agradar, bem, nesse caso mais dez pontos para o filme em causa. E foi o que aconteceu. Entrei sem expectativas algumas sobre o plot, nada sabia acerca do filme para além do que o poster me tentava contar, que acaba por ser nada e tudo ao mesmo tempo, e as categorias em que a IMDB o incluía e passo a citar: Comédia, Drama, Thriller.

O filme começa por nos apresentar uma família de quatro pessoas, pai-mãe-filho-filha, que vivem todos numa pequena cave em situação no mínimo precária. Esta família é pobre, como se pode imaginar, e todos eles estão sem emprego. Ah, e o vizinho decidiu mudar a password da internet. Um escândalo hoje em dia, não concordam?

Mas todas as moedas têm duas faces.

Neste filme o que vemos de comédia é sobretudo a ironia e sátira um tanto disfarçadas sob o manto de várias realidades cararicaturadas, realidades essas que acabam por definir em parte a sociedade consumista e alienada em que vivemos. Vemos também as duas extremidades do espectro social, e o que acontece quando os extremos se encontram. O que será que acontece? Os tons dessa comédia vão escurecendo pouco a pouco ao longo do filme, dando lugar a certos dramas, também eles lá com o propósito de nos recordar do planeta em que vivemos. Com que se preocupam aqueles que já têm tudo? Quais as suas ansiedades? Serão elas fúteis por defeito? Acho que a beleza deste filme está na roleta de emoções que nos proporciona, em que ora nos rimos com as personagens, ora ficamos apreensivos com elas... contudo sempre presos à narrativa. Tudo isto enquanto nos vai deixando críticas sociais como migalhas que teremos que ir apanhando. Há muita mestria neste guião, e daí emerge muita da genialidade deste filme. Já para não falar do uso irrepreensível da imagética para criar cenas deliciosas ao olho humano.
E tudo parece correr bem. De uma perspectiva - a nossa - é o que parece. É o que o realizador nos quer fazer querer. Isto é, até ao intervalo. Acho que não é muito spoiler dar-vos esta achega, ou será? O próprio IMDB dá conta de que estamos na presença de um Thriller, pelo que já deviam estar à espera que algo de errado não estivesse certo ... certo? Ah, e Thriller acho que é um simpático eufemismo.

Nada mais vou acrescentar sobre o filme, sob pena de divulgar mais do que quero ou de entediar quem quer que esteja a ler isto.


  clip do trailer

Despeço-me com esta sugestão: 'Parasite', um cativante raio-X às sociedades ocidentais do século XXI, com um twist tão arrebatador quanto satisfatório. Pelo meio temos ainda oportunidade de ver, em primeiro plano, o que o ser humano é capaz de fazer em situações de aperto. Excelentes representações por parte dos actores também!

Não vão ficar desiludidos.

Até à próxima.

rafael silva










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