Buckingham Nicks - Buckingham Nicks (1973)



"Buckingham Nicks".

Uma aglutinação de sobrenomes que esconde à vista de todos uma dose dupla de genialidade, genialidade essa que anos mais tarde viria mesmo a revolucionar o paradigma do pop-rock à escala global. O nome, no entanto, é explícito. A capa do disco é-o também. Despidos de artimanhas e inúteis artífices, os dois sensuais olhares que te perscrutam neste momento pertencem a Lindsey Buckingham e Stevie Nicks.

Passaram de conhecidos do liceu a bandmates num grupo orientado para o folk-rock psicadélico: os Fritz, banda que conseguiu atingir uma dimensão e popularidade consideráveis, chegando até a abrir concertos de Janis Joplin, Jefferson Airplane, Jimi Hendrix ou Santana. Nas palavras de Buckingham à revista BAM em 1997: "Todas as sextas e sábados abríamos quase todos os grandes concertos de rock que acontecessem na nossa zona".

Poster para de divulgação do Earth Day Jubilee, 24 Maio de 1970 em Sacramento. 
Podemos ver que o nome dos Fritz ao lado de outros nomes, dos quais se destaca , obviamente, o de B.B. King.





Gravação amadora de um concerto dos Fritz, no liceu de Aragon em 1970, na localidade de San Mateo. 
Nela podemos ouvir o tema "Dream Away", composto pelo teclista da banda. O alinhamento da banda contava com Stevie Nicks na voz, Lindsey Buckingham no baixo, Brian Kane na guitarra, Bob Aguirre na bateria e Javier Pacheco no Hammond.


Acontece que o estilo e preferência musicais do duo se encontravam mais em sintonia com sonoridades folk, muito devido à forma de cantar de Stevie Nicks que tão bem servia os dedilhados acústicos de Lyndsey. Eventualmente, Nicks e Buckingham acabaram por abandonar os Fritz, mudando-se para Los Angeles com uma mala cheia de demos, aventurando-se como dupla pelo estilo que mais lhes fazia jus. Eram movidos não só pela clara intimidade, química musical, e inegável match em termos de harmonias vocais; mas também pelo amor que nutriam um pelo outro, amor que havia começado como platónico nos tempos dos Fritz mas que se consumaria num relacionamento entre os dois tempos depois. Foi nesta altura que assinaram contrato com a Polydor Records.



'Coffee Plant Demos', uma colectânea de demos da dupla gravados entre 1970-74.
De acordo com a descrição que acompanha o vídeo, este conjunto de demos deve o seu nome à localização onde a maior parte destas foram gravadas: na cave da fábrica de café do pai de Buckingham, tempo antes de seguirem para L.A. a fim de obter um contrato discográfico.



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O contexto musical do ano de 1973 
(da minha perspectiva muito genérica e superficial)

Por essa altura, em 1973, a cena musical fervilhava e grandes bandas e artistas viram álbuns seus serem bem sucedidos, sucesso esse tanto comercial quanto em termos de crítica. Outros artistas iniciavam-se com grande mérito e imediato reconhecimento nestas andanças de criar e vender discos.

Veja-se o caso dos Pink Floyd, que nesse ano, e com aquele que é um dos grandes marcos musicais, Dark Side Of The Moon, se viram para sempre associados à imagética da luz refractada no prisma sobre o fundo preto. Também nesse ano, os Led Zeppelin regressariam aos discos com House Of The Holy, dois anos volvidos depois do estrondoso e instantâneo sucesso de Led Zeppelin IV. Da mesma ilha directamente para Hollywood e, consequentemente para o imaginário de todos os aficionados pelo cinema de terror, saiu Tubular Bells, trabalho que marca a estreia de um tal Mike Oldfield, que com apenas 19 anos tocaria quase todos os instrumentos que se podem escutar nesse seu primeiro disco. Os Genesis lançaram também o seu Selling England By The Pound - o meu favorito de toda a sua discografia, diga-se.

Já do lado de lá do Atlântico, Marvin Gaye imortalizava-se ainda mais com Let's Get It On, por exemplo. Por sua vez, e com o mais que merecido direito a uma frase de referência só para si, em 1973 Tom Waits dava início à sua prolifera e aclamada carreira como músico e compositor com Closing Time, disco no qual as suas belas prosas poéticas do quotidiano boémio e nocturno são trazidas à vida, através da sua ainda límpida voz e jovial mestria e delicadeza ao piano. Também este é dos meus discos preferidos.

Os Fleetwood Mac passavam por tempos conturbados durante este período, e depois de várias mudanças nos membros integrantes do grupo (longe ia já a era de Peter Green como driving force do grupo através do seu blues rock, a sua imagem de marca) lançavam em 1973 dois discos no espaço de pouco mais de meio ano: Penguin e Mystery To Me. Estes eram discos estes com grande proeminência composicional do guitarrista Bob Welch e da teclista e vocalista Christine McVie, mas que acabaram por serem tentativas frustradas de relançar o nome dos Fleetwood Mac. Um ano depois, a história repetir-se-ia com em termos de recepção crítica, com o lançamento de Heroes Are Hard To Find, este que acabou por ser mesmo o ponto final na colaboração de Bob Welch com os restantes músicos.

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É no meio de toda esta agitação de criação e revolução em termos de produção musical que dois jovens na casa dos 25 anos lançam o seu quasi-homónimo "Buckingham Nicks" de dez faixas, através da Polydor Records. Mal sabiam eles. Não tinham como saber. Este disco funcionaria como mostra daquilo que ambos podiam fazer em duo, e funcionou de certa forma como o bilhete duplo para o expresso da fama e glória.

Mas... isso naquela altura não era senão futurologia. Antes dos dias dourados que estavam reservados para estes dois, viria o rescaldo do lançamento de "Buckingham Nicks".

Mesmo com o lançamento do dois singles de promoção do álbum ("Don't You Let Me Down Again" e "Crying In The Night") e apesar as críticas positivas do álbum, estas não se repercutiram no sucesso que era esperado pela editora Polydor Records. Os responsáveis da Polydor, desiludidos com o pouco sucesso em termos de vendas, decidiram cortar a ligação com Buckingham e Nicks.

É de estranhar o não reconhecimento do valor e excelência que podemos experienciar durante as dez faixas do "Buckingham Nicks". Algumas das canções nele presentes, para além de serem obras cuidadosamente edificadas, mostram bem as capacidades de composição dos dois. Outras, no entanto, parecem ser secções de música sem grande propósito, apresentando-se um pouco deslocadas do resto do álbum. Não deixam de ser boas, mas apenas um pouco off tendo em conta o resto.
Apesar de tudo, Buckingham apresenta-se no controlo total das suas seis cordas acústicas e eléctricas, uma delícia composicional em que as guitarras ligam todos os elementos. Algo que mais tarde viria a ser-lhe reconhecido, por essa altura já eles os dois como membros integrantes dos Fleetwood Mac. Mas aqui... podemos apreciar dedilhados acústicos, slides, ritmos na guitarra que nos marcam o passo e ainda solos cuidadosamente doseados aqui e ali, para apimentar mais a coisa. Isto e muito mais, na verdade. Das vozes deles, já tudo se sabe. Versáteis e harmoniosamente belas quando em uníssono, brilham tanto nos registos mais pop e de forma igualmente intensa quando o folk é mais clássico. E aí Nicks estava na sua praia.

Não querendo entrar em detalhe nas músicas, apenas prefiro fazer a referência subjectiva daquela que ficou como minha preferida desde a primeira vez que cheguei aos últimos sete minutos do disco. Na última faixa podemos ouvir "Frozen Love"... e que música esta... para quem gostar de rock mais... como direi, rock mais pelo rock. A guitarra é quem manda, e ela aqui chega a voar. Até a orquestra temos direito, só para tornar mais apoteótico o final do disco. De audição obrigatória com o som bem alto. Aliás, mais ainda porque foi esta música em particular que chamou a atenção de Mick Fleetwood, que como o nome poderá ou não indiciar, era o baterista dos Fleetwood Mac. Prontamente ofereceu a Buckingham o lugar de lead guitarist no seu grupo. A esta oferta, Buckingham contrapôs. Ele e Nicks eram um pack de dois. Depois disso, o que se seguiu já é história de conhecimento geral.

Para finalizar: estamos na presença de um pedaço de história. Um disco de elevado requinte que bebe um pouco de todos os cantos da música tradicional norte-americana. Ele é country, é folk, é pop, é blues-rock... não ao mesmo tempo, é certo. Mas tudo seu tempo certo. Belo como um todo, são trinta e seis minutos que poderão ocupar neste vosso fim de dia... e relaxar. Ouvidos mais treinados e conhecedores do trabalho dos Fleetwood Mac pós-1975 poderão, por uma ou outra vez, ouvir-se envolvidos num grande déjà vu. Eu avisei.


Aproveitem esta viagem ao passado. Vão gostar... e vão acabar por repetir.

Dito isto, até uma próxima nota longa.


rafael silva



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